sexta-feira, 4 de julho de 2008

Redescobrir as virtudes da empresa pública

Nacionalizar os caminhos de ferro para reconstruir uma estrutura de transportes adequada depois do fracasso da privatização. A decisão foi tomada na passada terça-feira. E não foi a primeira empresa. Já em 2001, a principal companhia área tinha sido nacionalizada e pouco depois o governo social-democrata decidiu também criar um banco público. Empresas cujos nomes começam por Kiwi. Isto passa-se na Nova Zelândia. Informação retirada do artigo de Seumas Milne, uma das melhores vozes de um dos melhores jornais de centro-esquerda - o britânico The Guardian. Segundo Milne, a Nova Zelândia tem o hábito de antecipar tendências políticas fortes - do voto das mulheres no final do século XIX ao Estado-Providência nos anos trinta, passando, nos anos oitenta, pelo primeiro governo social-democrata a render-se ao neliberalismo.

A Grã-Bretanha, das privatizações desastrosas dos caminhos de ferro e do Northern Rock, tem muito que aprender, «agora que a investigação académica está a reabilitar o desempenho das indústrias nacionalizadas do pós-guerra em termos de custos e de produtividade». Milne também defende, sensatamente, que os governos não devem apenas assumir o controlo de grandes empresas tradicionais onde a gestão privada fracassou: o sector das novas tecnologias requer igualmente uma presença pública activa, já que são muitos os investimentos que exigem uma perspectiva de longo prazo e redes com cobertura universal. Como já várias vezes afirmámos neste blogue, não faltam bons argumentos para um sector empresarial do Estado robusto. Por cá, o governo «socialista» continua a privatizar alegre e irresponsavelmente tudo e mais alguma coisa. Os necessários investimentos em infra-estruturas que se avizinham oferecem mais um pretexto. Não sei se o governo vai contra a nova tendência da história. De qualquer forma, isso pouco importa. Sei apenas que vai contra o bem comum. Este exige um poder público democrático capaz de guiar e de disciplinar os múltiplos interesses privados. As empresas públicas, em sectores estratégicos, são um excelente meio para democratizar a economia.

20 comentários:

Anónimo disse...

... em 1974!! em Abril, mais propriamente, também estivémos à beira da instituição de uma Democracia Avançada...mas os iluminados de agora, andam para trás!!! ... e nós a reboque!!!

Linda demo(cracia)!!!

Diogo disse...

Concordo que se trave este movimento suicida de privatização de tudo e mais alguma coisa (parece a imagem espelhada de um comunismo ortodoxo).

Mas devemos começar a olhar com urgência para o novo paradigma do fim do emprego graças ao desenvolvimento tecnológico. É esta a nova realidade. Continuar em busca do fantasma emprego é condenar milhões a um sofrimento inútil.

Pedro Sá disse...

1. A economia é por natureza democrática.

2. Já sabendo o habitual e ridículo sentido de "democratizar" no jargão do BE, facto é que as empresas serem públicas ou deixarem de o ser não tem qualquer tipo de relevância nessa "democratização".

Tiago disse...

Sobre o comentário relativo a Portugal: Portugal é, por natureza, conservador. E por conservador não digo de direita, mas apenas que faz a maioria das coisas depois dos outros (há excepções, claro, tipo a abolição da pena de morte).

Isto é válido, na economia, na política, nos costumes...

Daí que a fúria privatizadora ainda ande por aqui, quando até nos EUA há congressistas a falar em nacionalizar partes da infraestrutura petrolífira.

Um outro exemplo de conservadorismo é este blog: o tema "moderno" e fundamental do peak oil (não, a especulação não é o factor fundamental) não se lê por aqui. Todo o discurso actual da esquerda é inútil e anacrónico, tudo deve ser revisto em função de resource scarcity. O discurso do BE, do PCP é completamente inutil para o futuro que se segue.

Como de costume Portugal vai a reboque (ressalvando a honrosa e digna excepção da EDP renewables). Neste blog português suave não se lê nada de interessante para os próximos anos. Só discurso que era bom há 10 anos atrás.

Note-se que a questão que ponho não é de escolha política. É relativa ao facto de novas e fundamentais variáveis serem ignoradas... é o conservadorismo português em acção. Provavelmente só se vai ouvir falar a sério em peak oil e resource scarcity neste blog quando os seus autores não conseguirem abastecer o carro. Aí o peso da realidade vencerá o conservadorismo.

É pena, pois os tempos pedem intervenção estatal. Os ventos, num certo sentido, voltaram a estar de feição para quem põe a solidariedade e o planeamento a longo prazo à frente do individualismo "dog eat dog" e do pensamento a curto prazo...

Anónimo disse...

1. A economia é por natureza democrática.

A economia na sua forma mais básica até pode ser "democrática" e previsível. Mas, por exemplo, o que tem de democrático a especulação ?

Se bem me lembro, da última vez ainda fazia parte da economia ...

Anónimo disse...

O discurso do BE, do PCP é completamente inutil para o futuro que se segue.

Meu caro, o futuro que se segue é sempre feito por nós. Há quem opte por uma corrente evolucionária que pactua com o previsível e com o pressuposto de que as coisas irão continuar a ser "assim", e há a corrente revolucionária que admite um corte com as tendências passadas e presentes, preconizando um novo formato de futuro. Históricamente já foi inumeras vezes provado que a evolução sócio-económica pode a qualquer momento ser quebrada e instaurada outra realidade.

Portanto, dizer que as coisas "vão ser assim" ou "vão ser assado" não é mais do que pura presunção intelectual - esta é a real inutilidade. Talvez um dia acorde para um mundo sem peak oil ou sem resource scarcity ...

Anónimo disse...

O problema coloca-se quando as empresas públicas são usadas como "instrumentos da política externa do Governo português"... Ver caso das Águas de Portugal, que até nos "deu" um Ministro das Obras Públicas!

http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1334409

MFerrer disse...

Mas isso é numa democracia onde a corporação dos Juizes não atropela a lei e o governo!
Na NZ a função da Justiça não é corporativa, não faz greves e mete na cadeia os prevaricadoresm sejam ou não gestores públicos.
Em portugal, tenham paciência,se nem conseguem meter na cadeia o Vale & azevedo e lhe dão tempo de antena emv ez de tempode cárcere, o que é que esperam?
Num país que não se dá ao respeito, onde os juizes fazem o que querem, perdão , não fazem o que não querem!, o que é possível fazer? Empresas públicas para sermos mais roubados do que fomos após as privatizações?
Além disso a NZ é um arquipélago que controla tudo desde a imigração à entrada de plantas. Aqui em portugal o nemátodo foi introduzido pelos compradores de madeira barata e agora o País está em vias de um desastre ilimitado e descontrolado!
Responsáveis, conhecem algum?
Tenham paciência e comparem o que é semelhante. Batatas com peúgas,não dá!
MFerrer

Rosa Redondo disse...

“Preços baixos da água criam défice tarifário de 60 milhões. Subida das tarifas é uma das soluções previstas”.

Estes são alguns dos títulos de jornal no dia em que o Tribunal de Contas “condena” as Águas de Portugal por má gestão e revela que a “holding”, apesar de extremamente endividada à banca e de contabilizar prejuízos na generalidade das suas empresas, distribuiu prémios por “bom desempenho” no valor de 2,3 milhões de euros, pagou automóveis “de serviço” renovados de 3 em 3 anos com seguro e manutenção incluídos e gastou combustível que dava, segundo noticia da TV, para ir de Lisboa a Moscovo e voltar todos os meses...
Daqui resultam uma certeza e uma dúvida.
Certeza: vão fazer-nos pagar mais pela água.
Dúvida: qual será a indemnização que o administrador das Águas de Portugal irá receber para abandonar o cargo que tão bem preencheu e qual será a próxima Empresa Publica onde irá aplicar os seus comprovados métodos de gestão?

Não é este um belo exemplo das virtudes das EPs?!

Tiago disse...

Rosa,

Virtudes das EPs?

Os paraquedas dourados (vulgo indeminizações gigantescas para gestores despedidos) são uma importação do modelo neoliberal. É algo nascido nas corporações americanas.

A ideia é que os gestores são super-homens e como tal têm que ser pagos principescamente (imperialmente, será a palavra), mesmo quando é para serem despedidos.

Para contratar estas almas é preciso pagar mais e mais e mais, pois, supostamente, haverá outra empresa que estará disposta a pagar ainda mais.

Sim, é uma vergonha. Mas não é uma invenção dos nossos gestores públicos (longe de os querer defender, note-se) é uma importanção do privado americano.

É, na verdade, mais um exemplo de importação da cultura do privado para a esfera da gestão pública.

josé manuel faria disse...

Muito bem visto, Tiago.

Rosa Redondo disse...

Tiago,

Se as cenas das Águas de Portugal se passassem numa empresa privada, lá estariam os accionistas para tomar conta dos seus interesses e o dinheiro desbaratado não vinha directamente do nosso bolso.

No caso das Empresas Publicas, é o Orçamento, ou seja o dinheiro dos nossos impostos que sustenta directamente as incompetências e as mordomias.
Mais ainda, os gestores, na maior parte das vezes nomeados por motivos partidários, gozam da mesma imunidade dos políticos que nunca são responsabilizados por terem tomado as opções que nos metem em buracos.
Quando a situação é de “falência técnica”, lá vem mais uma fatia do Orçamento ou um aval do Estado para acudir à crise.
Para completar o quadro, estas empresas nem sequer estão sujeitas a alguma acção reguladora que o mercado e a concorrência apesar de tudo tenham, pois o Estado lhes garante uma posição dominante, quando não de monopólio.

No que respeita aos gestores das EPs, temos uma “importação do modelo neo-liberal”? Pois, este modelo de empresas publicas consegue reunir o pior dos dois mundos...

Tiago disse...

Rosa,

Nas empresas privadas os accionistas não têm revelado muito sucesso no controlo de coisas como paraquedas dourados, ou aumentos abissais de salários de gestores de topo.

Dito isto, se a águas de portugal fosse privada o problema seria na mesma público, no sentido em que estaríamos na presença de um monopólio natural e, apesar do problema ser aparentemente do foro dos accionistas, seriamos nós a pagar pois os custos da má gestão seriam repercutidos nos preços (mais uma vez é um monopólio natural, a competição seria baixa ou nula).

O mercado livre funciona bem quando há competição real e se trata de bens não fundamentais. Mas fora desse âmbito há necessidade ou de regulação ou, de controlo democrático (nacionalização, se preferir).

Dito isto, concordo com a ideia que a gestão pública em Portugal dá vómitos. Mas nada me leva a crer que a privada é melhor (vide BCP por exemplo).

Tiago Moreira Ramalho disse...

As empresas públicas e as empresas privadas assentam numa coisa muito simples: a eficiência. O mercado muitas vezes não avança para determinadas áreas por não ser vantajoso (por exemplo, não temos nenhuma empresa de investigação, apenas dedicada a isso, porque mesmo vendendo as patentes, teria enormes prejuízos) e existem, portanto, falhas de mercado. Essas falhas de mercado devem ser corrigidas pelo Estado para que exista uma maior satisfação de necessidades. O Estado é o recurso pois pode, sem grandes problemas, investir de forma sustentada e duradoura numa determinada empresa. Esta correcção das falhas de mercado não implica, de todo, que o Estado se aventure por outras áreas. Não é sustentável! É uma estupidez por exemplo nós termos um banco do Estado e outras empresas.

No que respeita ao exemplo dado, o dos caminhos de ferro. É óbvio que caso seja necessária uma completa reestruturação do sector, reestruturação essa para a qual uma empresa privada não tenha capacidade financeira, AÍ e apenas aí o Estado poderá intervir.

Já tivemos experiências desastrosas com o domínio pela parte do Estado dos principais meios produtivos (se o Sector Empresarial do Estado fosse rentável, não se tinha nos anos 80 privatizado tudo, não acham?)

Tiago Moreira Ramalho disse...

João Rodrigues, escrevi um post sobre o assunto, se quiser ler:

http://oafilhado.blogspot.com/2008/07/os-limites-da-empresa-pblica.html

Anónimo disse...

"É uma estupidez por exemplo nós termos um banco do Estado e outras empresas."

Porquê?

"AÍ e apenas aí o Estado poderá intervir."

As de externalidades negativas da privatização de um monopólio natural são irrelevantes para esta questão? O impacto de um serviço público na restante actividade económica é superior ou inferior ao seu preço de custo?

"se o Sector Empresarial do Estado fosse rentável, não se tinha nos anos 80 privatizado tudo, não acham?"

A tautologia estonteante onde a privatização se justifica a ela própria. Privatizou-se porque não era rentável, e provavelmente não era rentável porque se privatizou.

MFerrer disse...

Mas o BCP e o BPN não são excelentes empresas privadas?
Vai alguém preso?
Quanto é que desapareceu só dos dois bancos? Fora o que era dos pequenos accionistas?
expliquem lá caraças!
MFerrer

antónio m p disse...

diogo, pedro sá, croky: onde é que vocês aprenderam a dizer essas coisas tão brilhantes, digo, tão hilariantes. Não basta ser antiprogressista para ter graça, pcebem? E até para isso é preciso saber...

Pedro Sá disse...

Claro, quem não tem argumentos usa o terrível insulto de "anti-progressista".

E a especulação é democrática. Qualquer pessoa tendo condições para isso pode fazê-la.

Anónimo disse...

"pagou automóveis “de serviço” renovados de 3 em 3 anos com seguro e manutenção incluídos e gastou combustível que dava, segundo noticia da TV, para ir de Lisboa a Moscovo e voltar todos os meses..."

Não querendo defender de todo a gestão das ADP gostava apenas de dar um apontamento para que não exista engano com uma manchete alarmista.
1-Quanto aos contratos serem de 3 em 3 anos, é algo normal nas empresas e normalmente o mais barato. São contratos de AOV e permitem redução de custos. Muitas vezes essas trocas permitem baixar o custo da frota e não aumentá-lo.
2- As ADP, pela sua natureza (têm estações muito longe umas das outras) irão "consumir" muitos KM's, mas por enquanto deve ser o mais barato. A não ser que queiram pôr equipas tecnicas em cada estação elevatória o que diminuiria os KM's mas aumentaria brutalmente o custo com o pessoal.
3-Dito isto a análise deveria ser feita relativamente aos custos desnecessários propriamente ditos mas provavelmente não daria manchetes tão sensacionalistas!!!

"Se as cenas das Águas de Portugal se passassem numa empresa privada, lá estariam os accionistas para tomar conta dos seus interesses e o dinheiro desbaratado não vinha directamente do nosso bolso."

Como já foi argumentado vejam o caso nacional do BCP, mas o mesmo é válido para quase todas as empresas do PSI-20...


"Não é sustentável! É uma estupidez por exemplo nós termos um banco do Estado e outras empresas."

Em que medida? Não consigo entender este pressuposto...
Eu por exemplo defendo precisamente o contrário (embora só devesse ser implementado depois de resolver os problemas actuais). Ter empresas estatais como "benchmark" dos diverso mercados seria bastante interessante...


"É óbvio que caso seja necessária uma completa reestruturação do sector, reestruturação essa para a qual uma empresa privada não tenha capacidade financeira, AÍ e apenas aí o Estado poderá intervir."


É isto que não compreendo. Existe muito bom liberal que daria a mão (esquerda obviamente) para acabar com os diversos subsidios a pessoas, que fala de direitos sociais como fosse o próprio demonio, mas quando se fala de subsidios ao sector privado os defende com as garras mais fortes. Para mim é um pouco incompreensível alguém defender quando os ventos estão de feição que o dinheiro gerado pelas diversas actividades é privado e intocável mas quando o vento muda e os problemas aparecem então o dinheiro de todos já é util e deve ser gasto nas empresas.
Talvez se tivessemos investido num Estado mais interventivo na economia no sentido de estar no mercado, então talvez num periodo de crise não necessitassemos de ter que todos pagar essa crise...