quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Governabilidade e representação




Há grande incerteza para as legislativas, excepto a improbabilidade de uma maioria absoluta. A rejeição de uma tal maioria resulta do exercício musculado e pouco dialogante do governo nesta legislatura, da penalização da inflexão centrista do PS e da crise económica e seus reflexos no voto.

Se a direita ganhar e conseguir maioria absoluta juntando PSD e CDS, a governabilidade estará, em princípio, assegurada: a última coligação foi suportada por uma maioria coesa, numa conjuntura difícil, e o seu colapso resultou da acção presidencial. Pelo contrário, o PS está no seu labirinto. Em 2004, altos responsáveis defendiam que, em caso de maioria relativa, deviam ser envidados esforços de entendimento entre as esquerdas. O que mudou? A “esquerda radical” continua igual a si própria... Pelo contrário, o PS apostou na estratégia “Sócrates (e a maioria absoluta) ou o caos”. Estão agora num beco de difícil saída: se perderem ou tiverem uma maioria muito relativa, o partido poderá afundar-se junto com o líder. Restará o entendimento com o PSD, que aliás aprovou a maioria das suas iniciativas legislativas (SOL, 16/5/09). Esta solução agravará a já pronunciada falta de clareza das alternativas ao centro. E não garante estabilidade: o “bloco central” durou menos do que a coligação PSD-CDS.

Falar no “labirinto socialista” não implica escamotear as responsabilidades da esquerda radical na improbabilidade de um governo de esquerda plural. Primeiro, temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Segundo, há um défice de cultura democrática na esquerda radical: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que também só consigam governar com maioria absoluta… Pelo contrário, na Europa é usual as esquerdas entenderem-se: em Espanha, em Itália, em França, no Chipre, na Escandinávia, etc.


Portugal poderá vir a ter um problema de governabilidade mas ele não resulta do sistema eleitoral: já é mais desproporcional do que a média dos regimes proporcionais europeus. Nem da fragmentação partidária: a concentração nos dois grandes aproxima-nos dos regimes maioritários. Os problemas de governabilidade são políticos, não institucionais. E uma eventual compressão da proporcionalidade diminuiria a participação (ao aumentar os votos perdidos) e a diferenciação ideológica (reduzindo o peso dos pequenos e induzindo a competição exclusiva pelo centro). Mas há outras medidas que poderiam reforçar a governabilidade: a moção de censura construtiva (para se derrubar um governo seria necessário propor um alternativo) e medidas equivalentes (uma espécie de “orçamento construtivo”, etc.); incentivos à cooperação entre os partidos. Além disso, o nosso sistema eleitoral induz os deputados a quase só se preocuparem em agradar às lideranças. Para melhorar a representação é preciso dar aos eleitores o poder de escolher os deputados em cada lista.


Artigo originalmente publicado no Expresso de 29/8/2009.

6 comentários:

antónio m p disse...

O autor deste artigo divide os políticos entre os seus e os maus, os que seguem o caminho político a que o autor adere, e "os radicais" a quem a democracia - infelismente para si - permite que tenham projectos diferentes.

Talvez os problemas da governação PS se resolvam suspendendo o pluralismo por seis meses...

José Magalhães disse...

"temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa"

Mas qual é o problema em ser ortodoxo? É preferível andar ao sabor do vento, mudando de políticas, identidade ou formas de estar, consoante se quer o voto deste ou daqueles? Se é isso, prefiro a ortodoxia.

"People have fallen into a foolish habit of speaking of orthodoxy as something heavy, humdrum, and safe. There never was anything so perilous or so exciting as orthodoxy." Chesterton

Francisco disse...

O que o adjectivo ortodoxo representa é a falta de capacidade e de vontade negocial.

José Magalhães disse...

Ortodoxia não significa falta capacidade e vontade negocial. O Jerónimo já explicou dezenas de vezes: o PCP tem a sua política e as suas propostas bem definidas em todas as áreas. Se o PS pretende fazer uma lei que é compatível com a visão do PCP sobre a matéria, o PC apoia essa lei. Se o PS quiser fazer 200 leis compatíveis com a visão do PCP, o PC apoia essas 200 leis. É muito simples. Agora, uma coisa é certa: se o Partido Socialista fosse realmente Socialista, seria mais fácil haver convergência. Quando só é Socialista quando calha, a convergência é mais difícil.

Pedro Viana disse...

"Segundo, há um défice de cultura democrática na esquerda radical: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação."

Estranho que um politólogo revele um desconhecimento profundo do conceito de representação eleitoral e das suas consequências numa dinâmica negocial entre partidos. Os eleitos por um partido representam aqueles que neles votaram, e o programa político que defenderam em eleições perante o eleitorado. Não foram mandatados para apoiarem a implementação de políticas a que os seus eleitores se opõem. Isto quer dizer que são democraticamente ilegítimas as coligações pós-eleitorais? Há quem seja dessa opinião. Eu diria que, pelo menos, os eleitos têm o dever perante os seus eleitores de maximizar a sua influência política em qualquer governo que apoiem, independentemente do peso eleitoral relativo dos partidos envolvidos. Uma negociação pós-eleitoral em partidos é como qualquer outra: envolve uma troca, em que as partes tentam maximizar o seu benefício (e note-se que no caso de negociação entre partidos nem sequer é necessário exigir o respeito pelo bem-geral, pois todos os partidos o afirmam defender). Se um governo necessita do apoio de 2 partidos, ambos têm igual necessidade do apoio do outro, independentemente do número de deputados afiliado a cada um. Nessas circunstâncias é perfeitamente legítimo, e justo, terem um peso governativo semelhante. Já houve inclusivé (raras) situações no passado em que numa coligação, é o partido minoritário que nomeia o chefe de governo. Foi o caso do governo austríaco que saiu das eleições de 1999.

Anónimo disse...

Nos casos que conheço (itália e frança) a realidade infirma o que diz o nosso postador.

Em Itália, o último governo de unidade de esquerda, sujeito ao menor denominador comum, conduziu direitinho ao Berlusconi e a uma regressão ideológica incomensurável. Andamos agora a discutir as gajas do Berlusconi, a cena pública está dominada pelos mais extravagantes delírios racistas, num clima de fim de império.

Em França, não vejo onde e como, hoje, exista a tal unidade, nem sequer no interior do próprio PS, onde a profissão mais requerida é a de afiadores de facas. Terá havido, terá, entre o PSF, o PCF e os Verdes, com resultados calamitosos, que levaram ao completo esfrangalhamento da esquerda.

O problema não é a ingovernabilidade, mas o sofrimento social provocado pela ideologia neo-liberal e só a ruptura (perdão) com esta ideologia poderá mobilizar as gentes. A derrota é difícil, mas é nossa.

Cumprimentos e desculpa.

manel, isto é, Manuel Resende