quinta-feira, 15 de março de 2012

Défice Externo

O governo exulta com a publicação das contas externas pelo INE que dão conta de uma redução do défice externo. Os blogues e a imprensa seguem o mesmo caminho. O ajustamento da economia portuguesa parece notável. Está bem estudada a capacidade de ajustamento da economia portuguesa a choques externos, mas, ainda assim, confesso a minha surpresa inicial.

Infelizmente, é preciso olhar para estes números, no mínimo, com muita cautela. Olhando só para a balança comercial, comecemos pelas importações. Depois da sua queda abrupta em 2009, recuperaram algum fôlego, em 2010, e retomaram a queda, em 2011. Não é preciso se um génio para perceber que não estamos aqui perante substituição de importações, mas sim perante uma contracção inédita do consumo - devido ao aumento do desemprego, dos cortes salariais e dos aumentos de impostos - e do investimento - devido às falências, contracção do crédito e perspectivas pessimistas em relação ao futuro -, com as inevitáveis consequências na capacidade produtiva do país. Ou seja, o ajustamento por baixo. Importamos menos porque estamos mais pobres. Deve ainda acrescentar-se que com a introdução da austeridade mais troikista que a troika, o clima de incerteza aumentou exponencialmente, levando familias e empresas a adiarem despesas. Nada de muito positivo por aqui, daí que não seja por este lado que o governo embandeire em arco.


O lado do crescimento das exportações é mais interessante. O primeiro ponto diz respeito ao contexto do crescimento das exportações nos dois últimos anos: com o colapso destas com a crise financeira em 2008/09 o que observamos é sobretudo uma recuperação face aos valores anteriores à crise.


O segundo ponto diz respeito à distinção entre o mercado intracomunitário (feito na sua quase totalidade com países da zona euro) e o mercado extracomunitário. O crescimento das exportações para o primeiro mercado aparece intimamente ligado ao crescimento económico da zona euro. Com a desaceleração do crescimento ao longo do ano devido à imposição da austeridade, as exportações seguem naturalmente o mesmo caminho. Como os recentes compromissos com novas doses de austeridade mostram, não há muito a esperar por aqui.



O terceiro ponto diz respeito ao crescimento espectacular das exportações para fora da zona euro, sobretudo no último trimestre. Neste caso vale a pena olhar para o comportamento do euro face ao dólar durante o ano (isto é assumidamente feito “a olho”, valeria a pena ter uma análise mais fina com uma série temporal mais longa). Com um normal desfasamento de um ou dois meses, os períodos de valorização/desvalorização do euro são seguidos por um menor/maior crescimento das exportações para países extracomunitários. O euro valoriza-se em Janeiro, as exportações crescem menos em Março; o euro valoriza-se em Março e Abril, o crescimento das exportações cai em Junho e Julho; o euro cai abruptamente em Setembro, as exportações disparam em Novembro; valoriza-se em Outubro e o crescimento das exportações cai em Dezembro.


Concluindo, num momento em que a recuperação do comércio internacional face ao colapso de 2009 parece concluída, as nossas exportações estarão sobretudo dependentes do andamento da economia europeia e da taxa de câmbio do euro. Nada de muito animador, na verdade.

Para mais sobre o mesmo assunto, vale a pena ler o João Galamba e o Pedro Braz Teixeira.

1 comentário:

João Carlos Graça disse...

Caro Nuno
"Uma análise mais fina com uma série temporal mais longa" é algo que valerá decerto a pena - se a dita não for pequena, como é óbvio.
Mas deixe que lhe diga que assim tal como está, curto e grosso, também não é nada de desprezar...